Para quem, como eu, que conheceu algumas obras infantis do autor, parece uma brincadeira que exista um romance para adultos escrito por Monteiro Lobato. Mas não é assim. Ao ler a sua biografia, salta aos olhos um artista do saber que foi capaz de se empenhar na editoria brasileira e exaltar a capacidade dos autores locais, elevando a cultura do país e se distinguindo de tal maneira até ser considerado inimigo da política da época. Na realidade Lobato foi um dos maiores escritores brasileiros do século XX e escreveu enúmeras obras, se interessou pelo gênero infantil, escreveu contos e crônicas de tamanha ironia que durante toda a sua vida não fez outra coisa que chamar a atenção dos leitores. E os leitores da sua época não eram so intelectuais, porque os seus escritos eram lidos nas rádios, publicados em jornais e em folhetins distribuídos por todo o Brasil. No único romance completo para adultos não se tratou absolutamente de falar sobre Narizinho ou Emília, os dois personagens mais conhecidos e referidos ao autor. Publicado em 1926, o romance nasce com outro nome: “ O Choque”. Só vinte anos mais tarde se transformará em “O Presidente Negro”, numa tentativa falida de elevar a obra editorialmente. Num momento em que se vivia sob o signo de um idealismo social muito romântico e o modernismo no Brasil era ligado sòmente às novas automóveis e eletrodomésticos que nasciam para facilitar o trabalho das donas de casa, “O Presidente Negro” é um romance que foi inspirado numa fantástica visão do futuro dos Estados Unidos anos antes que Monteiro Lobato passasse várias estadias naquele pais.
Concentrando-se numa ideológica máquina do futuro, o personagem principal vive em volta de uma ciência capaz de visualizar eventos importantes que hipotéticamente poderiam mudar o curso da história humana se viessem ao conhecimento do homem comum.
O tema é muito atual, chegando a ser visionário, pois ao ser lido nos dias de hoje nos mostra a veridicidade daquela que foi só uma intuição de Lobato, como por exemplo a internet, comentada durante o romance com outro nome. Impressiona como o autor coloca o declínio da influência européia e a ascensão dos Estados Unidos que se transformaria numa grande potência mundial, anos antes mesmo do crack da bolsa de valores de New York. As lentes da “máquina do tempo” do romance, são as lentes da sua mente. Da mente de um homem que passa na escritura uma realidade que hoje se verifica como a hegemonia da China, que Lobato conhecera como uma sociedade destinada sòmente à agricultura sob o regime de Mao, e que nunca pôde assistir na gestão atual do próprio patrimônio econômico. Outra nota impressionante da história é o referimento ao “clone”, ou à capacidade da ciência de esbranquiçar a pele das pessoas negras. E de lá continuará a descrever situações que levarão os Estados Unidos a eleger o seu primeiro presidente negro numa disputa com uma mulher. Outra visao do autor que se compara perfeitamente aos fatos acontecidos há apenas um ano atrás. Uma nota negativa do autor pode se revelar através do referimento à extinção da raça negra como ponto de chegada para a hegemonia total dos Estados Unidos num mundo que, segundo Monteiro Lobato, não podera reagir diante da grandiosidade daquele país. Pessoalmente não interpretei essa nota racial como verdadeira por parte do autor mas, me iludo que, como fabulista visionário, caricaturista e irônico qual foi, provávelmente exasperou o tema, talvez na tentativa de demonstrar até que ponto o ser humano poderia chegar se tivesse nas mãos a capacidade de transformar as células humanas e moldá-las para o próprio interesse.
Exatamente um ano atrás o livro foi novamente publicado, dias antes da eleição de Obama, numa também provável “visão” da Editora Globo que, no mínimo, me faz pensar.
O PRESIDENTE NEGRO – MONTEIRO LOBATO, Editora Globo – literatura brasileira
202 páginas – reedição 2008
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